Por Eliana Ribeiro Ambrosio e George Rembrandt Gütlich*
Todo objeto artístico recebe diferentes enfoques de acordo com a época ou grupo que lhe contempla. Um restaurador, um historiador, um colecionador, um museólogo, outro artista e público em geral incorporam suas visões de mundo ao valorizar determinado aspecto em detrimento de outro. Através dessas diversas mediações, ele ganha novos valores ou significados que muitas vezes extrapolam suas intenções originais.
Ateliê de Xilogravura e Gravura em metal da da UFMG. Álbum Ex-libris Gravura em metal, 2019.
O mesmo ocorre com os ex-líbris. Ao longo de sua história esta marca de propriedade pode ser entendida de diversas maneiras. Se evadirmos, estas derivações poderiam ser entendidas como variantes às intervenções nas antigas pinturas/poemas chineses, na qual os sucessivos guardiões que se achavam em consonância com a imagem adicionavam suas contribuições, configurando uma obra que sempre se ressignificava. Assim, de uma marca de propriedade, o ex-líbris gradativamente ganhou outros usos para além de sua função original. Tornou-se um objeto colecionável e, para os artistas, um campo de investigação poética.
George Gutlich. Ex libris Rembrandt, 2008.
Atualmente, muitos artistas têm na arte dos ex-líbris um meio de expressão gráfica e para a participação em exposições e concursos internacionais.
A passagem para esta apropriação artística atual foi fomentada nas últimas décadas do século XVIII, quando se começou a delinear algumas mudanças na produção dos ex-líbris, no sentido de desvinculá-lo da heráldica. Paulatinamente, monogramas, elementos decorativos, livros, bibliotecas e temas do cotidiano passam a ser adotados pelos artistas como forma de homenagear, enaltecer e dar reconhecimento social seus proprietários. Estavam lançadas as sementes que os artistas souberam aproveitar para renovar a arte do ex-líbris, torná-lo um objeto artístico.
Já no final do século XIX, historiadores ligados a tradição, saudosos da tradição heráldica, atacavam este tipo de produção que acabou por se consolidar, dando início ao ex-líbris artístico moderno.
Nesse sentido, vale ressaltar sua apropriação como meio de expressão artística. Desde o século XIX, além das encomendas habituais de proprietários de livros, diversos artistas utilizaram-se de ex-líbris para render homenagens a amigos próximos, a exemplo de Toulouse Lautrec, que idealizou ex-líbris para Maurice Guibert; de Salvador Dalí que fez exemplares para os amigos André Breton e Federico Garcia Lorca, de Picasso que homenageou o banqueiro, colecionador e amigo Max Pellequer; de Emile Nolde que elaborou um ex-líbris para seu biógrafo e amigo Hans Fehr. Outros artistas acabaram os incorporando a suas produções artísticas como exercício poético ou em livros de artista, como o fez Louise Bourgeois.
Como ocorreu em todos os campos da arte, a virada para o século XX representou uma revolução e questionamento de toda uma tradição. Isso não foi diferente como os ex-líbris. Os artistas, ávidos por renovações, adeptos da liberdade expressiva, recusavam a seguir regras estabelecida e passaram a utilizar-se dos ex-líbris como meio para surpreender e render homenagens a entes queridos, subvertendo sua função inicial de marcar posse para torná-lo um meio expressivo, uma obra de arte.
Eliana Ambrosio. Ex libris Museu Nacional, 2019.
Assim, paulatinamente o objeto do ex-líbris ganhou espaços em coleções e passou a figurar concursos e exposições mundiais, na qual à vocação inicial foi incorporada ao campo da experimentação gráfica e expressividade artística.
Consoante com a reverberações contemporâneas da cultura do ex-líbris como um miniprint, muito artistas desenvolvem projetos especiais, como álbuns, livros de artista e ex-líbris imaginários.
*Eliana Ribeiro Ambrosio - Artista gravadora, realiza trabalhos principalmente em xilogravura e gravura em metal. Possui Especialização em Conservação e Restauro pelo CECOR/UFMG, além de Mestrado e Doutorado em História da Arte pela Universidade Estadual de Campinas. É professora Associada de xilogravura do Departamento de Artes Plásticas da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual foi coordenadora do Curso de Artes Visuais de 2012 a 2016.
*George Rembrandt Gütlich - Artista gravador. Bacharel pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, Especialista em Museologia pelo Instituto de Museologia de São Paulo, Doutor em Artes pelo Instituto de Artes da UNICAMP e Pós Doutor em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa. Professor Adjunto de Gravura em Metal na Escola de Belas Artes da UFMG.
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