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Breve história do ex-líbris no Brasil

Atualizado: 5 de mar. de 2021

Por Thalles Augusto de Carvallho Siciliano*


O ex-líbris no Brasil é algo bastante recente em termos de História. Enquanto que na Europa a etiqueta impressa é adotada desde, pelo menos, a segunda metade do século XV, aqui o mais antigo data do final do século XVIII e o segundo por volta de 1824, até onde sabemos.

Os leitores do site sabem muito bem o que é um ex-líbris, então vou pular essa parte e trazer algo mais interessante: a primeira definição conhecida elaborada por um brasileiro. Seu nome é Emiliano Vale de Carvalho e ele escreveu o Dicionário das locuções, frases e termos da língua latina e de outras, publicado no Maranhão, em 1888. Vejam só, somos novatos até em definir ex-líbris. Procurei, mas não achei esse livro em canto nenhum. Segundo Emiliano, ex-líbris seria: “Fórmula que uma pessoa inscreve sobre seus livros, acompanhando-a de seu nome, de suas iniciais ou de qualquer outro sinal pessoal para indicar sua posse”. Podemos notar que a definição trata o ex-líbris como uma fórmula, como o ex dono, mas isso é outro assunto. Emiliano também parece não considerar o ex-líbris impresso, somente o manuscrito. Enfim, algo para discutirmos.


O primeiro ex-líbris brasileiro que se tem notícia, como dito, data do fim do século XVIII. Seu proprietário era Manoel de Abreu Guimarães, provedor de Sabará (MG) e possivelmente comerciante, haja vista que seu ex-líbris traz elementos que remetem ao comércio. Durante o período colonial, apesar da censura portuguesa, havia algumas bibliotecas particulares. O ex-líbris já era conhecido na Europa e reservado aos bibliófilos e amantes do livro em geral. Ora, para ter livros no Brasil colônia era preciso gostar e/ou precisar muito porque era muito difícil conseguir livros e manter bibliotecas fora da vista da censura. Creio ser plenamente possível que tenha havido ex-líbris de brasileiros antes de Manuel Guimarães, mas até agora só o que temos é uma informação de Rubens Borba de Moraes, que afirmou que o padre José Correia da Silva, também de Sabará, teria usado um em seus volumes da Encyclopédie, até hoje nunca reproduzido. Ainda há muito o que pesquisar.


Fonte: Machado (2014, p. 57)


O ex-líbris de Manoel Guimarães não tem data e o único exemplar conhecido está na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Sua ficha contém uma anotação manuscrita que diz: “fins do século XVIII ou começo do XIX”. Teria sido feito pelo padre José Joaquim Viegas de Menezes, exímio gravador. Suas medidas são 7 cm x 6 cm e a técnica empregada foi o buril. Basicamente, é o que sabemos até hoje.


Já em 1808, a Família Real vem ao Brasil e traz na bagagem o núcleo da atual Biblioteca Nacional repleto de ex-líbris portugueses, em sua grande maioria, se não todos, heráldicos. Entre os destaques, estão os do vice-rei Luís de Almeida Portugal e Mascarenhas (Marquês do Lavradio) e Diogo Barbosa Machado, pioneiro da Bibliografia portuguesa e um dos membros fundadores da Academia Real de História. A Família Real também trouxe o maquinário da futura Imprensa Régia para dar suporte às decisões régias e à administração em geral. Esse acontecimento também marcou o verdadeiro início das atividades gráficas e editoriais brasileiras. Por exemplo, alguns anos depois, uma oficina litográfica foi criada no Arquivo Militar. A partir de 1822, várias oficinas tipográficas foram fundadas em todo o país.

Ao longo dos oitocentos, mesmo que timidamente, o ex-líbris começava a chegar até os nossos intelectuais. Um dos primeiros a adotar foi o Visconde do Rio Branco, senador do Império, cuja marca é uma das primeiras, senão a primeira, a adotar a inscrição “ex libris”, coisa pouco comum para a época. Outro que buscou um ex-líbris nesses tempos foi Eduardo Prado, advogado, escritor, bibliófilo e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Na verdade, ele tinha dois: um sem divisa e o outro com divisa (in angello cum libello, algo como “num cantinho com um livrinho”), que reservava para volumes mais especiais. Além desses, podemos citar outras personalidades como Alfredo de Carvalho, Emilio Goeldi e a Viscondessa de Cavalcanti, uma das primeiras mulheres a ter ex-líbris no país.


Em 1875, o mundo ex-librístico florescia com o livro de A. Poulet-Malassis entitulado Les ex-libris français: depuis leur origine jusqu'à nos jours (Os ex-líbris franceses: de suas origens aos nossos dias), publicado em 1875. Isso marca o verdadeiro início do colecionismo de ex-líbris no mundo e desperta o interesse dos brasileiros, que começaram a procurar as casas (maisons) para produzirem suas marcas.


Nosso primeiro colecionador de ex-líbris foi o Barão do Rio Branco, filho do Visconde. Sua coleção está atualmente na Biblioteca do Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro. O modesto conjunto está colado em folhas em branco encadernadas em um exemplar do livro de Poulet-Malassis. Os itens são acompanhados por comentários manuscritos do Barão. Seu ex-líbris pessoal é bastante conhecido e procurado pelos colecionadores. Seu principal motivo é a pedra de Itapuca, em Niterói, RJ, tendo três estados conhecidos. Foi gravado por volta de 1887 pela Maison Agry e conta com duas tiragens coloridas: marrom e preto. Sobre as variantes, são seis tamanhos diferentes, sendo uma só para mapas que abordam questões sobre os limites do Brasil.


Fonte: Elton et al. (1953, p. 28 apud POTTKER, 2006).


Nas três primeiras décadas do século XX, o ex-líbris até respira no Brasil, mas com dificuldades. Apesar disso, temos as primeiras publicações sobre o tema: em 1912, Manoel Nogueira da Silva escreve alguns artigos na Gazeta de Notícias; em 1919, João Ribeiro escreve um capítulo no livro O folk-lore sobre pequenos versos de estudantes que serviam para marcar a propriedade dos seus livros. Alguns anos antes disso tudo, Alfredo de Carvalho (engenheiro, historiador e pesquisador) e Oliveira Lima (diplomata, historiador, escritor) já trocavam cartas sobre ex-líbris. Alfredo dizia em uma delas: “não é curioso que nós dois sejamos os únicos, em Pernambuco, a sabermos o que é um ex-líbris?”. Ainda comenta que um conhecido dos dois viu o ex-líbris de Joaquim Nabuco e também queria fazer seu “eclipse” para seus livros.


Os anos passaram e houve uma certa desaceleração do movimento ex-librístico. O auge só começaria nos anos 1940, início da Segunda Guerra Mundial, época nada favorável para quase nada, quem dirá para ex-líbris. Mas, de qualquer forma, estava iniciada a era de ouro do ex-líbris no Brasil. A literatura diz que isso durou até mais ou menos os anos 1960.

Durante esses vinte anos, o Brasil e principalmente o Rio de Janeiro, então capital federal e também do ex-líbris, como já disse Manuel Esteves naquele tempo, foi palco de exposições nacionais, municipais e regionais; publicaram-se textos de especialistas tanto nos grandes jornais da época como em livros e revistas; fundaram-se associações e clubes; surgiram artistas, colecionadores, encomendas… Enfim, florescia, aqui, o ex-librismo. Alguns nomes importantes são: Alberto Lima (um dos maiores expoentes do ex-líbris no Brasil), José Washt Rodrigues, Carlos Oswald, Adolf Kohler, Correia Dias, Antônio Paim Vieira, Manuel Esteves, Octavio de Campos Tourinho, Floriano Bicudo, Carlos Rubens, Nuno Lopo Smith de Vasconcelos (maior colecionador brasileiro nos anos 1930-1940, principalmente), Gilda Guimarães de Barros Azevedo, Oldemar Alvernaz de Oliveira Cunha, Alceu de Campos Pupo e Clado Ribeiro de Lessa.


Algumas curiosidades do período. Em 1942, durante a Primeira Exposição Nacional, no Museu Nacional de Belas Artes, houve a primeira palestra sobre ex-líbris em nosso país. Proferida pela conservadora Maria Barreto, foi intitulada “O ex-libris: obra de arte, selo da inteligência”. Outra pesquisadora que surgiu na época foi Maria Regina, como assinava, que escreveu alguns poucos textos nos jornais. Foi uma das primeiras, se não a primeira, a escrever sobre o assunto. Interessante notar a presença feminina na área.


Vemos também o possível primeiro anúncio de troca e permuta de ex-líbris, no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, ambos do Rio, em 1948. Um ano antes, o Departamento Estadual de Informações de São Paulo estava organizando uma “coleção de ex-líbris” que seria “objeto de “publicação especial”. Para isso, pedia aos possuidores de ex-libris que enviassem um exemplar ou cópia fotográfica especificando detalhes como proprietário, artista, simbologia etc. Infelizmente, não achei mais notícias sobre a publicação, mas talvez essa tenha sido a primeira iniciativa de compilação de ex-líbris no país.


Após esse período, o movimento começou a enfraquecer. Não sumiu, pois ainda havia exposições, publicações aqui e ali, mas nada perto daquele prestígio e euforia dos anos dourados. Destaque foi a Exposição Sul-Brasileira, em Caçador (SC), em 1992, que teve a participação de Jorge Oliveira, renomado artista e ex-librista nacional e internacional que nos deixou em 2018.


Entretanto, de uns anos para cá (década de 2010, diria eu), o ex-líbris começou a retornar, devagar, no Brasil. Esse movimento se deu, provavelmente, pelo recente aumento de estudos sobre marcas de proveniência, incluindo eventos nacionais e internacionais. Nesse ínterim, houve em 2018, por exemplo, o I Encontro de Ex-librismo, na Biblioteca de Manguinhos (Fiocruz/RJ), que tive o prazer em ajudar a conceber.


Parece-me que o ex-líbris no Brasil é uma flor tímida que só cresce regada com adversidade. Em 2020, novamente em um período bastante difícil, formou-se um grupo de ex-libristas bastante entusiasmados de diferentes Estados, que tenho prazer em participar. O grupo ainda está se organizando, trocando figurinhas (ex-líbris e informações) e tentando, aos poucos e na medida do possível, retomar um pouco da glória passada do ex-líbris no Brasil.



Referências


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Assista a live "Breve história do ex-líbris no Brasil" no canal da Caçadora de Exlibris. Clique aqui.




*Thalles Augusto de Carvallho Siciliano - Bacharel em Biblioteconomia pela UNIRIO. Apresentou o artigo "El ex libris en Brasil: bibliofilia, patrimonio e identidad" no IV Encuentro Nacional de Fondos Antiguos y Raros (Biblioteca Nacional Mariano Moreno, Buenos Aires, 2017). Foi um dos idealizadores e organizadores do I Encontro de ex-librismo (Fiocruz, RJ, 2018). Defendeu o TCC entitulado "Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras (PLANOR): 1983-2018" (2019). Interessa-se por preservação, livros raros e áreas afins. Atualmente é bibliotecário do IBGE. É um dos colaboradores do site Caçadora de Exlibris.

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