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Entre a vida e a morte: os ex-líbris de Pedro Nava e o peso da existência

Por Mary Komatsu*


Pedro da Silva Nava nasceu em 1903, em Juiz de Fora, e seguiu carreira como médico por muitos anos. Só mais tarde, já aposentado e enfrentando a surdez, mergulhou de vez na literatura. Foi então que escreveu suas memórias, obras fundamentais para compreender o Brasil do século XX. Mas sua trajetória terminou de forma trágica em 1984, aos 81 anos, quando se suicidou no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.


Ex-líbris de Pedro Nava. Desenho de Oswaldo Silva.
Ex-líbris de Pedro Nava. Desenho de Oswaldo Silva

A vida de Nava foi marcada pela dor e pela reflexão constante sobre a finitude. Isso aparece até mesmo em seus ex-líbris. Um deles, desenhado por Oswaldo Silva, traz a frase latina “Ars longa, vita brevis” — “A arte é longa, a vida é breve”. A imagem heráldica, com colunas e brasão, transmite erudição e permanência, como se a arte fosse capaz de atravessar o tempo, resistindo à fragilidade da existência humana.


Já o outro ex-líbris, criado pelo próprio Nava, é mais íntimo. Cercado por folhas escuras, ele escreveu: “Mortem procastino, doloremque dissipo” — “Adio a morte e dissipo a dor”. Aqui não há símbolos nobres, apenas palavras que soam como um desabafo. Um lema de resistência, mas também um reflexo da luta silenciosa contra o sofrimento. O próprio Nava, descreveu o significado de seu ex-líbris em carta para Stella Maris Bertinazzo: " ... inventei "Adio a morte e dissipo a dor". Para dar dignidade à expressão, pedi a meu parente Frei Martinho Burnser que vertesse para o latim. Em torno há papoulas (que abrandam o sofrimento) e dadaleiras (que prolongam a existência)."


Ex-libris de Pedro Nava (Ipse Fecit)
Ex-libris de Pedro Nava (Ipse Fecit)

É curioso e revelador que ambos os ex-líbris tragam uma mesma meditação sobre vida e morte. Em um, a confiança na arte como eternidade; no outro, o enfrentamento pessoal da dor. Entre a permanência e a brevidade, entre a obra e o homem, os ex-líbris de Pedro Nava nos ajudam a compreender as contradições de alguém que, mesmo celebrando a vida pela literatura, escolheu a morte como alívio para uma existência pesada.


*Mary Komatsu - Bibliotecária e administradora do canal Caçadora de Ex-líbris.

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